sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

VOCÊ TAMBÉM CONTOU DA VACA?

 


Dizem os mais velhos que um homem desonesto criava um papagaio esperto como mais não podia ser. Esse dito homem, um dia, resolveu abater uma vaca de propriedade de um compadre seu. Como o dono da vaca era também seu vizinho, ele não pôde estender nem o couro nem a carne no varal, como geralmente se faz. Assim, sacrificou a maior parte da carcaça, aproveitando somente as carnes mais nobres, enterrando o resto numa grande vala. O papagaio, bicho que tudo observa, ficou de olho no malfeito. Correndo a notícia do sumiço da vaca, o espertalhão, quando indagado pelo compadre se sabia de algo, desconversou.

O papagaio tagarela não deixou barato:

— Paco-papaco! Tira a vaca do buraco!

Mesmo o sujeito negando, o compadre saiu dali de orelha em pé. Aí formou-se uma comitiva, com o dono da vaca roubada, o delegado e o padre, para interrogar o papagaio, e a desgraceira foi feita. O cabueta apontou o lugar, onde a comissão encontrou o couro e o restante da carcaça.

O sujeito livrou-se da cadeia, perdoado que foi por seu compadre, homem de bom coração. Ainda assim, precisou se desfazer de outros animais para cobrir o custo da vaca.

Acontece que, quando terminou todo esse frejo, já era noite e caía uma forte chuva. O malandro resolveu descontar toda a raiva no papagaio; já que fora depenado pelo compadre, ele agarrou o bicho, tirou-lhe todas as penas e o jogou na chuva.  O pobre louro, depois de muito pelejar, aproximou-se do forno, que ficava debaixo de uma coberta, e ali se quedou, pensativo. Naquele momento, se aproximou do forno um pinto que havia caído do poleiro, daqueles do pescoço pelado e quase sem penas pelo corpo. Vendo aquele estrupício, piando de fazer dó, o papagaio perguntou:

— Você também contou da vaca?

Se é mentira ou verdade, não sei;

Do jeito que ouvi, eu contei!

 

Fonte: Pedro Monteiro, São Paulo (SP).

Proveniência: Campo Maior, Piauí.

Classificação feita por Marco Haurélio: ATU 237 (O papagaio falante)


quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

DOUTOR EM ACENO








Num reino distante, o rei havia mandado seu filho ao estrangeiro para que estudasse e aprendesse muitas sabedorias.  Após diplomar-se em diversos saberes, incluindo a comunicação por sinais, o moço voltou para sua terra natal, onde foi exaltado e aclamado como Doutor em Aceno.  Com a notícia da chegada do filho, o rei mandou preparar um grandioso banquete, numa festa repleta de ilustres convidados, escolhidos a dedo para a ocasião.  Além das autoridades, intimaram o rapaz mais sabido daquele reino para se medir com o filho do rei. Não havia nada de reconhecimento no tal convite a não ser enaltecer o Doutor. No dia do da festa, os lugares foram distribuídos de forma que o moço tomasse assento à mesa em frente ao príncipe. Ocorre que, faltando poucas horas para o evento, o tal moço foi acometido de uma terrível dor de barriga. Medo puro. O que fazer?

Por sorte, ou por azar — vamos saber daqui a pouco —, ele tinha um irmão gêmeo. Cara de um focinho do outro, como lá dizem. Na família, o pobre rapaz atendia pela alcunha de Doido. E, para se safar da vergonha, o sabido mandou o irmão Doido em seu lugar. O rapaz chegou ao palácio quando estavam todos tomando assento e foi encaminhado para o local reservado para ele: em frente ao maioral em sabedoria.

Almoçaram, do bom e do melhor e, depois do cafezinho, enquanto aguardavam o licor digestivo, o rei pediu que todos fizessem silêncio. Chegara afinal o grande momento: a demonstração de superioridade pelo Doutor de Aceno. Toda a atenção da audiência agora estava voltada para a interação entre os dois grandes rivais. Eis que o Doutor olhou para o Doido e levantou um dedo.  O Doido mirou nos olhos do Doutor e levantou dois dedos. Em seguida, o Doutor levantou três dedos, e o Doido, num movimento brusco, fechou a mão e ergueu o punho.

Naquele momento, ouviu-se uma estrondosa salva de palmas. Jornalistas e curiosos cercaram o Doutor para saber o conteúdo do diálogo entre ele e seu interlocutor.  O Doutor não se fez de rogado:

—  Olhe, fiquei feliz, pois trata-se de um homem que, além de sábio, está atento aos preceitos religiosos.

— Mas qual o teor do que foi dito nos acenos?

Empostando a voz, o Doutor esclareceu:

— Ora, eu levantei um dedo em louvor ao nosso único e verdadeiro Deus-Pai! Ele, sabiamente, levantou dois dedos, destacando a presença de Jesus, o Filho. Foi nesse momento que, percebendo o seu apreço pelo Providência Divina, levantei três dedos, invocando a terceira pessoa da Trindade, o Espírito Santo. Ele ergueu o punho aos céus para dizer que as Três Pessoas são a essência de Deus.

Mais uma vez, o Doutor foi aclamado com outra salva de palmas.

Os curiosos agora voltavam suas atenções para o outro lado da mesa. Quando alguém indagou do conteúdo do “diálogo”, o Doido respondeu:

— Diálogo uma pinoia! Esse homem é muito é grosseiro. Veja só, nem bem termina o almoço, ele vem com um dedo ameaçando furar meu olho. Pois bem, armei logo dois dedos contra os olhos dele e o desafiei: vem! Não é que o peste arma três dedos, querendo acertar meus olhos e enfiar um na minha boca! Pois bem, eu disse para ele que, em resposta, levaria um soco nas fuças.

E ficou o dito pelo não dito.

Da festa eu trouxe três pedaços de bolo, mas, quando passava no Escorrega-lá-vai-um, levei o primeiro escorregão; lá se foi um pedaço. Andei mais um pouco e novamente escorreguei; lá se foi o segundo pedaço. Depois, como não escorreguei mais, trouxe o último pedaço para... você!

Fonte: Pedro Monteiro, São Paulo (SP).

Proveniência: Campo Maior, Piauí.

 

Classificação: ATU 924 (Discussão em linguagem gestual)

São raros os registros deste conto em Portugal (duas versões) e no Brasil (quatro se contarmos o subtipo B). O conto, no entanto, vagueia pelo mundo há pelo menos 25 séculos, como dá a entender o relato, que hoje soa como uma anedota, de Heródoto, sobre os presentes que os reis citas enviaram a Dario I, soberano persa, que, perigosamente, se aproximava de suas possessões. O arauto entregou ao famoso monarca um pássaro, um rato, um sapo e cinco flechas. Inquirido pelos persas sobre o significado de tão estranhos presentes,  o mensageiro desculpou-se, afirmando que sua missão era tão somente entregá-los. O rei Dario, adiantando-se, argumentou que os citas estavam se rendendo, pois lhe ofereciam terra e água. Trocando em miúdos: o rato nasce na terra e come o mesmo que os homens, o sapo vive na água, um pássaro se assemelha a um cavalo e as flechas eram símbolos de poder militar. Um conselheiro do rei não concordou e deu uma explicação mais convincente: se os persas não se tornassem pássaros e voassem para o céu, ou imitassem ratos e se enterrassem no chão, ou sapos e pulassem nos lagos, nunca mais voltariam para casa, e morreriam varados por flechas (Cf. Graham Anderson, Ancient Fairy and Folk Tales: An Anthology. New York, Routledge, 2019, cap. XII).


                                 Classificação: Poeta e Pesquisador Marco Haurélio.

 

















 


ARTE E CULTURA

FLOR AMARELA

Brilho da flor amarela, num cenário multicor, a paisagem na janela sugere versos de amor.                          PedrO M.